34. sobre autodeterminação

não fui ensinada a ter raiva
a demonstrar insatisfação
a insistir quanto ao que quero e como quero as coisas
a dizer não
me colocar e delimitar meu espaço no mundo
ter coisas favoritas
a possibilidade do querer
dizer quem sou como sou porque sou
fui ensinada a esperar a resposta do mundo pra então me dizer frente a isso
a reagir e não a agir
e agindo ou reagindo eu tava errada
tinha que me ajeitar perante as réguas de fora e introjetá-las em mim

ainda não aprendi a ser dona de mim
a estar plena e satisfeita dentro do meu corpo
a me celebrar
a abraçar e amar cada curva e cada contradição que habitam em mim
a ser estranha e tudo bem
o que eu quero e o que eu sou nunca foram coisas que eu procurei pra mim e sim coisas que o mundo me perguntava pra eu lhe saciar a curiosidade do lugar que eu deveria ocupar no mundo

ano retrasado eu descobri a kwanzaa
não a coloquei em prática
mas esse ano tentei acompanhar as reflexões em cada um dos sete dias
e a que mais me chamou a atenção foi o kujichaguilia: autodeterminação
me dizer por mim pra mim no meu tempo do meu jeito no meu desejo no meu sonho nas minhas palavras saindo dos meus lábios nos meus termos nas minhas formas de dentro do meu corpo
sem pressa sem desejo ou pretensão sem fórmula
só eu
e isso ser suficiente

cansei da perfeição, ela me assusta
me é insuficiente
eu não sou coerente
e tudo bem
me espelhei demais no meu pai pra nunca ser igual minha mãe
mas quem eu sou no meio disso tudo?
florescer?

sem ponto sem vírgula sem maiúscula
ser
livre sem linhas
trabalhada no faça-você-mesma
faça sua vida
parece que eu já não caibo no mundo nem em mim do jeito que eu sou
parece que estou no momento limite antes de encher os pulmões de ar
bem fundo
e finalmente respirar depois de um longo tempo submergida
é ano de silenciar
respeitar o que vem de dentro
que é muito e cheio e grande
quer ser cascata fluir liberdade crescer
não nasci pra ser de fora pra dentro
eu sou mar eu sou cachoeira eu sou represa

e nem eu ainda sei pra onde como nem porquê
ano de autodescoberta
ou início de uma vida baseada na autodescoberta?
ao contrário do que eu achei que sempre fosse
não sou mãe não sou cuidadora nem sou paciente e nem amorosa nem fofa nem cuidadosa e nem doce e nem receptiva
isso eu já descobri
cada vez que eu me defino
mais me vejo o contrário
quanto de mim é introjetado e quanto de mim quer ser resgatado do fundo dessa tinta branca que jogaram na minha cara pra eu me camuflar com as paredes e não incomodar ninguém?
eu falo de mim pra mim: me deixa ser me deixa ser me deixa ser me deixa ser
tô suplicando
eu andava suplicando pro lado errado
pra fora
me ajuda eu dizia
chega
uma vez a kamila me disse que era muito gostoso mas muito perigoso
isso de se ver pelo olhar dos outros que nos amam
ela estava certa



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