47. Si.


Um cigarro lhe ia nos lábios, a cabeça pra trás enquanto a fumaça saía dos lábios marrons. O sol tocava a pele de canela que ela tinha, fazendo um jogo com as sombras da tela da janela na camisa frouxa. Na outra mão um frasco de esmalte que terminara de passar nos dedos do pé que balançavam pra frente e pra trás, ao ritmo do toca discos antigo da avó. Os ombros mexiam também, fazendo sambar a alça da camisa até caírem prum lado só. Uma outra moça na cadeira pergunta algo, ela diz “pode raspar” e o sonzinho da máquina de cortar cabelo se mistura ao som da Etta James de forma agradável, mas ao mesmo tempo como quem é intruso naquele quero-não-quero-quero uma carequinha platinada.
Sorri pro espelho, joga a cabeça prum lado, faz pose como quem dança vogue.  Os lábios carnudos fazem um biquinho e depois esboçam um sorriso. Um beijinho de leve nos lábios da crespinha. “Quero ficar só, vou na casa da sua mãe no fim de semana. Te amo.”  Correria, cotidiano, freelas, trampo, rede, de pernas pro ar, um podcast, andar sem pressa como quem curte o próprio corpo nu pela casa vazia cheia de si, falar besteira no telefone, vinho com a amiga, assédio na rua, dar dedo pro desconhecido escroto. No final do dia um grande E daí. Tudo parecia um cair do sol no fim de uma tarde de domingo depois de almoço em família. Às vezes com briga, às vezes com abraço. Mas ainda um cair do sol no fim de uma tarde domingo que aquece o coração como quem chega dizendo tô em casa.  
Liga um pagodinho, dança sozinha no piso de madeira. Sossego chega quando casa chega. Casa nem é um lugar, assim como amor da vida num é ninguém mais que si. Si. Si. Si. Si. Si. Si. Sim. Sem pedir licença. Sem desculpas. Sem se justitifcar. Ah! Sim. Deita tal qual quem sabe exatamente os próprios pormenores. Sem culpas de existir pras próprias zonas de conforto. Si. Si. Si. Si. Nada mais si que quando sua maior zona de conforto tá pra dentro. 

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