56. que nem plutão
se no brasil eu já me achava emocionalmente intensa e complexa e oceânica, aqui eu me sinto uma força vulcânica devastadora arrebatadora imprevisível incompreensível. eu não caibo. nesse país eu me sinto que nem plutão. num sentido astrológico mesmo. um diacho de um planetinha minúsculo que é lá da puta que pariu, mas que consegue causar efeitos profundos em gerações inteiras. efeitos tão complexos que talvez nem mesmo a geração que sofre seus efeitos consiga decifrar no tempo presente.
a solidão, que sempre foi uma companheira invisível constantemente ao meu lado, aqui toma outras formas. aqui ela cresce tanto que eu sou um pontinho preto à sombra de sua giganteza. esse vazio que sempre foi tudo sobre o que eu mais soube, agora cresce. esses contornos eu nem sabia que eram possíveis, mas ele se avizinha se espreita toma de conta em todo lugar a toda hora.
eu nunca imaginei que sentiria solidão quando assistisse outra pessoa mover os lábios para abrir a boca e soltar palavras.
nem que algo tão banal quanto o falar fosse um dia se tornar um exercício constante que exige esforço mental,
ao invés de um derramamento de mim e do meu coração pelas minhas cordas vocais.
ao fim do dia, mesmo que eu só falasse, eu estaria exausta.
no brasil, ao fim de um dia cansativo, eu falaria pra desaguar o cansaço do meu peito
e respirar fundo porque minhas palavras chegaram no coração de alguém e fizeram casa pra além do meu eu.
aqui eu falofalofalofalo me sinto escutada pela metade e torço pra que tenham entendido um terço.
e isso não é sobre fluência sotaque entendimento literal,
por mais que o branco brasileiro de escola particular que estudou inglês a vida inteira fique bravo
porque o povo daqui muitas vezes acha que eu sou daqui pela forma como eu falo
eu nunca imaginei que a solidão se daria não pela presença do outro que não me toca, mas pela sua total e absoluta ausência. é da falta do carro da pamonha e do carro rebaixado com funk torando que ela se apresenta. é na inexistência de uma senhorinha adentrando o elevador resmungando pra dentro e depois fazendo algum comentário esdrúxulo e íntimo sobre a vida dela entre um andar e outro, sem que a gente nunca mais se veja. também vem de noite, quando eu choro de saudade e estendo a mão pra pegar o celular e ligar pra alguém mas vejo que estou quatro ou cinco horas antes e todo mundo tá dormindo.
às vezes ela também vem na forma de uma risada, quando eu marco de encontrar uma pessoa legal que conheci porque quero fazer amizade e só depois descubro que a pessoa achou que eu tava a fim dela - mesmo que nem tenha rolado um beijo porque aqui até isso tem ausência naturalizada não preconizada (mesmo no desejo) e burocrática.
fui tentar assistir um filme sobre saudade do próprio país e tinha a scarlett johanson chorando por não ter sentido nada em um templo budista em tóquio e eu achei aquilo muito confuso quando pensei no livro sobre vudu que estou lendo, que diz que estar fora do próprio território é, por si só, uma emergência espiritual. eu tava procurando referência sobre estar homesick mas o que eu estou sentindo é banzo.
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